Recomendação
Fundada em 1894, a Perfumaria e Saboaria Confiança marcou de forma indelével a cidade, ao tornar-se uma dos principais símbolos da indústria bracarense, por projetar o nome da cidade nos seus notáveis e variadíssimos rótulos, por dar emprego a centenas de pessoas, marcando desta forma a vida de milhares de famílias.
O seu imponente edifício, esvaziado há mais de uma década, continua a marcar a paisagem urbana daquela zona da cidade, e a assumir-se como o único grande símbolo da arquitetura industrial de Braga.
Mas a Fábrica Confiança e todo o seu passado e o seu labor, são muito mais que isso. São também memória do trabalho, história do design e até história da história.
Nuno Coelho, autor do magnífico livro, “Uma história de confiança”, resultado da sua tese de doutoramento, e que foi apresentado esta Primavera em Braga, referiu que: “Há uma ligação direta entre a história de Portugal e a escolha de motivos e das designações de marca pela Confiança. Para mim, o design gráfico produzido pela Confiança é um espelho dessa história.”
Por isso falar da Fábrica Confiança é falar de um património imaterial de Braga que precisa de ser preservado porque não há identidade sem memória e esta fábrica faz parte da memória, e, por isso, da identidade de Braga, mas também da indústria da perfumaria e saboaria nacionais, com tudo o que lhe está associado, desde a organização do trabalho, aos equipamentos, às técnicas, às matérias primas, ao design dos rótulos, passando pelas preocupações sociais e culturais dos seus vários donos.
Em 2013, na sequência de uma negociação conjunta entre o então vereador na oposição Ricardo Rio e o vice-presidente da altura, Vítor Sousa, a Câmara Municipal de Braga e esta Assembleia Municipal aprovaram a aquisição do edifício da Fábrica Confiança por 3,5 milhões de euros, um valor exorbitante, tal como o comprovou a avaliação que o Bloco de Esquerda solicitou, na ocasião,ao engenheiro Casais Batista.
Grande entusiasta deste negócio, o então vereador, afirma mesmo, na ocasião, que “não fazemos depender do financiamento comunitário a criação do projeto da Confiança”.
Ainda no mandato que terminaria em 2013, a Câmara de Braga promoveu um concurso de ideias, ao qual se apresentaram 84 projetos. O atual presidente da Câmara de Braga ocupou o lugar de membro do júri que avaliou a qualidade desses projetos. Na sua qualidade de recandidato à Câmara de Braga, Ricardo Rio fez inscrever no seu Programa Eleitoral o compromisso de recuperar a
Confiança para usufruto público para fins culturais, propondo para aquele espaço um Museu da Cidade.
Esta nova maioria vence as Eleições pela primeira vez mas não se apressa a dar um destino ao edifício, condizente com as suas promessas eleitorais. Até que o ano passado o atual presidente da Câmara de Braga começa a testar a opinião pública, equacionando, pela primeira vez, a alienação da fábrica Confiança por um valor, obviamente, superior àquele pelo qual foi adquirida.
O presidente da Câmara reconhece que a atual maioria mudou de prioridades, alegando que a indisponibilidade de fundos comunitários impossibilitam a recuperação da Fábrica Confiança para os fins que resultam num amplo consenso da comunidade bracarense.
O Bloco de Esquerda considera que os argumentos do atual presidente da Câmara não são válidos, porque acreditamos que podem ser várias as alternativas, nomeadamente a de intervenções faseadas. Para nós a reabilitação da Confiança pode bem ser, e acreditamos que não estamos sós, um projeto para uma década. Haja vontade política para tal.
A dimensão do edifício, e as várias valências que pode acolher, têm de resultar de um amplo debate público, talvez tendo como ponto de partida os projetos finalistas do Concurso de ideias.
Mas, se para já não há dinheiro, e recordemo-nos que Ricardo Rio até prometeu avançar mesmo sem fundos comunitários, o estado atual do edifício, permite o seu uso com a realização de pequenas intervenções, pelo menos enquanto discutimos o que verdadeiramente queremos para ali.
Conhecemos casos, como por exemplo o do edífico Axa, em plena Avenida dos Aliados, cujo interior foi até recentemente sede de um conjunto de projetos, no campo das artes visuais e da fotografia. O estado interior do edifício, praticamente apenas com as paredes, não impediu o seu uso cultural.
Também em Braga, durante a edição do ano passado dos Encontros da Imagem aproveitou muito bem as instalações privadas da casa Esperança, para instalar algumas das exposições e o estado em semi abandono do edifício não impediu a sua utilização. Aliás um espaço precário, inacabado, em transição permite, muitas vezes, usos mais imaginativos e desafiantes, porque a intervenção artística não tem limites nem barreiras, assim permitamos e criemos condições para que aconteça.
Foi, julgamos nós, neste quadro que surgiu, na última pré-campanha eleitoral uma proposta da Associação Velha-a-Branca, de gerir, em conjunto com outras associações da cidade, as instalações da Confiança, ou parte delas, permitindo esse uso imaginativo, certamente precário, outras vezes efémero, mas seguramente muito prometedor, que permite uma fábrica abandonada.
Uma cidade que acaba de ganhar uma candidatura a capital Europeia no domínio das Media Arts não pode de modo algum abdicar do potencial de um espaço desta natureza e desta dimensão, mesmo que nas atuais condições.
Por outro lado, um edifício ocupado, ainda que apenas numa parte, é a melhor garantida para impedir a sua galopante degradação, os incêndios, as ocupações, que já levaram à destruição de elementos importantes, como por exemplo aconteceu com a chaminé.
Sabemos que tudo isto precisa de ser bem pensado, mas pode-se sempre começar pelo óbvio: o diálogo. O diálogo com os autores da proposta. Com estes, e se calhar com outros.
A Confiança é um trabalho para muitos anos, e compreendemos que não se pode fazer tudo de uma vez, o que não compreendemos é a possibilidade de perder este património. Não faltam exemplos noutras zonas do país, de iniciativa pública ou privada, onde antigas fábricas deram origem a interessantes projetos culturais e edifícios de uso múltiplo, que hoje orgulham as suas gentes, por preservarem a memória e reforçarem a identidade coletiva desses lugares. É assim com a Fábrica de Santo Tirso, onde a antiga Fábrica de Fiação e Tecidos daquela cidade, deu lugar às indústrias criativas e também ao design de moda. Ou a Oliva, antiga fábrica de máquina de costura de Oliveira de Azeméis, hoje um centro de exposição, artes e escola profissional. Ou ainda a Fábrica de Braço de Prata, na zona nascente de Lisboa, esta de iniciativa privada. Bons exemplos não nos faltam para nos inspirarmos, para depois seguir o nosso caminho.
Face ao exposto, a Assembleia Municipal de Braga, reunida a 17 de Novembro de 2017, recomenda à Câmara Municipal de Braga:
Braga, 17 de Novembro de 2017
O grupo Municipal do Bloco de Esquerda